Brasil aprova nova regulamentação para impedir que beneficiários de assistência social usem fundos públicos para fins de jogos de azar

2025 está a ser um ano de profunda mudança no que toca aos jogos de azar no Brasil. Por um lado, foi neste ano que entrou a regulamentação das apostas de quota fixa em vigor, com vista a uma maior proteção dos jogadores no ambiente online. Contudo, não ficou por aí. 

Ainda este ano, foram implementadas medidas rigorosas para impedir que beneficiários de programas sociais utilizem recursos públicos em apostas online, conhecidas como “bets”. Essa iniciativa visa proteger as famílias em situação de vulnerabilidade e garantir que os fundos assistenciais sejam destinados às suas finalidades originais. Vamos descobrir mais sobre este assunto. 

Decisão única do STF

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão, em todo o Brasil, de qualquer tipo de publicidade de apostas online de quota fixa (as chamadas “bets”) voltada a crianças e adolescentes. A decisão foi tomada no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 7721 e 7723, ajuizadas pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Na liminar, Fux determinou que o governo federal adote imediatamente as ações de fiscalização e proteção a crianças e adolescentes previstas na Portaria 1.231/2024 do Ministério da Fazenda, que regulamenta a Lei nº 14.790/2023, conhecida como Lei das Bets.

Além disso, também foi ordenado que o Ministério da Fazenda implemente, de forma imediata, mecanismos que impeçam o uso de benefícios sociais – como o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e similares – em plataformas de apostas online. O ministro fundamentou sua decisão nas evidências apresentadas durante audiência pública realizada em 11 e 12 de novembro, que revelaram os impactos negativos da publicidade de apostas sobre a saúde mental dos jovens e o orçamento familiar. Segundo Fux, a urgência da medida se justifica para evitar que a demora na aplicação das normas já editadas, com vigência prevista apenas para janeiro de 2025, agrave um cenário já considerado crítico.

Projeto de Lei 3703/24

Paralelamente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3703/24, que propõe proibir que beneficiários de programas sociais utilizem os recursos em apostas esportivas online. As empresas de apostas online seriam obrigadas a enviar mensalmente relatórios ao Ministério da Fazenda com a identificação dos apostadores e os valores apostados, consolidados por CPF. 

O objetivo é reforçar o controle e a transparência no setor, especialmente no que diz respeito à proteção de grupos vulneráveis. O deputado Tião Medeiros (PP-PR), autor da proposta, expressa preocupação com o número significativo de beneficiários do Bolsa Família envolvidos em apostas – “Tanto pelo fato de que existe a forte possibilidade de endividamento excessivo dessa parcela da população mais vulnerável, quanto pelo fato de que esteja havendo uma maciça transferência de recursos públicos para as bets, por intermédio de apostadores beneficiários de programas sociais”, alerta Medeiros.

Estima-se que cerca de 5 milhões tenham apostado 3 mil milhões de reais via Pix – o que representa que 20% dos fundos do Bolsa Família foram gastos em jogos online. Segundo o parlamentar, esta situação levanta duas questões alarmantes: o risco de endividamento excessivo de famílias de baixos rendimentos e a potencial transferência indireta de recursos públicos para as casas de apostas. O projeto pretende, assim, assegurar maior vigilância sobre o impacto social das apostas e evitar que programas de apoio estatal sejam desviados do seu propósito original.

SPA divulgará relatórios trimestrais sobre o mercado de apostas no Brasil

Nos primeiros meses do mercado de apostas regulamentado no Brasil, uma das principais questões debatidas foi sobre a transparência dos dados: se, quando e com que frequência o órgão regulador divulgaria informações sobre o desempenho do setor. Em entrevista ao Estadão, o secretário da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), Regis Dudena, anunciou que a pasta passará a publicar relatórios trimestrais com base em dados fornecidos pelos operadores e registrados no Sistema de Gestão de Apostas (Sigap).

“Estamos trabalhando na produção desses dados”, afirmou Dudena. Segundo ele, o Sigap será alimentado diariamente por relatórios automáticos enviados pelas próprias empresas operadoras, incluindo informações como número de apostadores cadastrados, valores apostados, ganhos e perdas. O objetivo é que os relatórios trimestrais consolidem esses dados e permitam a divulgação pública dos primeiros resultados do mercado, promovendo transparência e controle social.

Dudena considera que o trabalho da SPA é contínuo e cíclico, exigindo avaliação e aprimoramento constantes. Ainda assim, ele destaca que a regulamentação já tem se mostrado eficaz ao limitar o acesso de menores de idade às apostas. 

Brasil poderá ser um dos principais mercados regulamentados 

O anúncio ocorre poucos dias após o CEO do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), André Gelfi, alertar que cerca de 60% da receita bruta mensal do setor (GGR) ainda vem de plataformas ilegais. 

Gelfi disse que o “principal desafio daqui para frente é a formalização do mercado de apostas”, pois existe uma atividade econômica não monitorada e não tributada ocorrendo nesse setor, o que, de certa forma, dificulta o desenvolvimento de um mercado sustentável. Assim, acredita que a regulamentação rígida com a oferta de bônus de rodadas grátis de depósito tornará o Brasil um dos principais mercados regulados de jogos do mundo